Rumba Gabriel: jornalista, compositor e morador do Jacarezinho

Nesta entrevista, conheceremos um pouco de Antônio Carlos Ferreira Gabriel, o nosso querido Rumba Gabriel. Rumba, homem negro e favelado, pai, avó, jornalista, é morador do Jacarezinho, esta enorme favela com população de quase 40 mil habitantes e conhecida como o Quilombo Urbano por ser a favela mais negra do Rio de Janeiro. Dentre tantas memórias contadas nesta entrevista, homenageamos Rumba que faz da sua vida, uma luta diária pelo direito à vida na favela. Vamos ler um pouco mais sobre Rumba Gabriel? Convido você a conhecer um pouco mais sobre ele: 

No início do papo, Rumba explicou como ganhou esse apelido: “meu pai ganhou esse apelido de Nelson Cavaquinho porque dançava muito rumba e acabei herdando o nome também”. O pai de Rumba veio de Minas Gerais e a mãe do interior do Espírito Santo. Ao todo ele teve seis irmãos: “Éramos seis, morreram dois”. Rumba e sua família moram no Jacarezinho há 67 anos, “peguei o período da ditadura militar aqui. É tudo muito parecido com o que estamos vivendo hoje. Na época eu tinha 14 pra 15 anos. Minha irmã mais velha Sônia era uma grande combatente, ia sempre para as passeatas na Cinelândia, na Presidente Vargas… Lembro que teve uma confusão danada quando mataram o estudante Edson. A gente foi para as ruas, mas racionaram comida, feijão, a gente nem podia falar muito porque sofria muita repressão.”, contou.

Rumba é mangueirense, jornalista, escritor, compositor, poeta e no momento está se formando em direito, ele decidiu fazer direito para tentar entender o por quê de tantas injustiças. Ele contou que com 15 anos estreou no Jornal do Brasil e quando saiu virou mensageiro de Carlos Drummond de Andrade. “Eram várias as pessoas que passavam por lá e eu recebia essa galera toda, principalmente, quando virei mensageiro da dona do Jornal do Brasil. A minha formação política maior e o conhecimento foi no Jornal do Brasil porque eu enquanto mensageiro do doutor Brito eu recebia todos aqueles presos políticos e que estavam voltando do exílio”. 

Toda a sua história é entrelaçada à luta e resistência na busca por direitos das populações moradoras do Jacarezinho e de outras favelas do Rio de Janeiro. “Aqui no Jacarezinho tinha um aparelho de resistência, os ativistas vinham todos para cá. Os militares ficaram na porta da favela revistando quem entrava e saía da favela. Foi nessa mesma época da Ditadura Militar que vi nascer muitas associações de moradores: Borel, Providência, Maré, a fundação da Federação de Favelas do Estado do Rio de Janeiro (Faferj). Foi aqui no Jacarezinho que vi muitos partidos surgirem também. Foi a única favela no Brasil que teve diretórios políticos do PT e do PDT”, recordou. 

Em 1973, Rumba foi servir no exército, o presidente era o Médice, e lá no quartel tinham mais de 300 presos políticos, “eu não entendia o motivo de tanta gente branca sem farda, até o dia que fui tirar serviço no xadrez no quartel e vi que eram todos presos políticos. Eles sofriam muito, comiam restos de comida, e aquilo me comoveu. Acabei não indo mais para a casa, ficava lá dormindo. Pegava comida e legumes, frutas e levava para eles até o dia em que me deram o flagrante e fui preso por indisciplina por dar comida a quem tem fome”, falou. 

Relembrando o histórico de luta da favela e analisando o momento atual, ele contou ainda que, infelizmente, muitas pessoas na redemocratização saíram da favela depois que viraram trabalhadores do governo e deixaram de lutar. “Foi embora o PT e o PDT, os ativistas foram embora e a consequência disso a gente vê até hoje. As pessoas que entraram na universidade saíram da favela. A politização da favela precisa continuar, mas como se os militantes que quando viram parte do governo vão embora?”, questionou.

Além do histórico de luta que ele traz em sua fala, ele colocou pontos chaves de defesa de direitos e nos ensina que necessitamos começar a busca pelo todo, pelo direito completo e não pelo básico: “Tento sempre resgatar a história do Jacarezinho como sendo a favela mais negra do Rio para trabalharmos a nossa autoestima, para lutarmos e aceitarmos a cidadania, não aceitar o negacionismo, o desemprego, esses projetos paliativos. Insistem em colocar subprojetos para sobrevivermos, para sermos submissos. Temos que pedir saneamento estrutural e não básico. Afinal, cesta básica é muito parecida com salário mínimo e isso é mínimo mesmo, nós queremos o todo. Queremos algo estrutural e não básico, queremos carne, proteína”, disse. 

Para finalizar, ele falou um pouco sobre o atual momento em que as favelas estão tendo que sobreviver ao tiro, fome, covid. Afinal, foi na sua favela em que ocorreu este ano a chacina mais letal da história da cidade e que deixou 29 moradores mortos. “A gente vive o mínimo e sem nada. A pandemia veio para mostrar que os governantes estão se aproveitando da nossa miséria. O que temos hoje é tudo manutenção de uma estrutura que não queremos mais, não queremos mais ser tratados só com o básico, queremos o todo. As lideranças precisam entender que a gente vive um negacionismo e, por isso, temos que estar juntos lutando e brigando pelo todo e dentro das favelas”, concluiu ele que é uma das maiores referências comunitárias, negras e faveladas do Rio de Janeiro e do país. Parabéns Rumba. Obrigada por dividir com a gente a sua vida e luta!

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Gizele Martins

Jornalista, escritora e comunicadora

Gizele Martins é jornalista formada pela PUC-Rio, mestre em Educação, Cultura e Comunicação em Periferias Urbanas pela UERJ, doutoranda em Comunicação e Cultura do Programa de Pós-Graduação da ECO/UFRJ, integrante do Laboratório de Estudos em Comunicação Comunitária (LECC/UFRJ). 

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